quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Paris, cidade dos ratos... de estimação

Tudo começou ainda no Brasil, ao avisarmos na escola da Lina que passaríamos uma temporada em Paris. Quando a turma do Jardim dos Pirilampos lhe perguntou o que gostaria de levar como lembrança, sugerindo algo como um coelho de pelúcia, Lina respondeu que queria um rato. “Mas não um rato de pelúcia” – disse ela, com aquele jeito implacável –, “um rato de verdade, lá da casa da Mabel” (a professora), que escreveu suplicando na agenda: “Me livra dessa, Ana Paula!”. Achamos todos que a solução seria ela se conformar com um rato de pelúcia mesmo e combinamos que a escola mandaria a “surpresa” pelo correio.


E mesmo com toda a mudança, Lina continuava sonhando com o rato. Logo que chegamos aqui, fomos comprar uma cama para ela e, no setor infantil da loja, tinha aquela infinidade de bichinhos de pelúcia. Passando batido pelos coelhos, gatos, cachorros e ursinhos, lá foi a Pituca direto para uma cesta de ratos, de várias cores e tamanhos. Levou todos que conseguiu para uma barraca num canto da loja e lá ficou por tempo suficiente para me deixar terminar as compras com uma anormal tranqüilidade. Passou pelo caixa dormindo e, descobriu-se depois, abraçada num dos ratos, que acabou vindo para casa de contrabando. Tal era o amor que o rato ameaçava o posto do velho e bom Dudu, já tão surrado na sua segunda encarnação. Não chegou a tanto, mas o novo rato acabou ganhando um lugar de honra na família de brinquedos.

Os ratos da Ikea

Enquanto isso, de férias no Peru, Vânia, a diretora da escola, não pode deixar de lembrar da Lina quando topou numa loja com um rato preto de fom. Chamado “Cui”, o bicho goza por lá de grande respeito, circulando não apenas sob, mas também sobre as mesas, com os devidos temperos. Encomenda comprada, o novo rato de brinquedo começou sua longa jornada, atravessando finalmente o Atlântico na mala de uma coleguinha da escola que veio passear em Paris com a família. Bebel veio com a mãe e a irmã trazer o presente pessoalmente em casa, embrulhado com mil corações e beijos de papel preparados pelos colegas da turma.

Lina com "Cui" e Bebel

Apesar do clima de gran finale, o episódio era apenas o fechamento de uma longa introdução ao romance entre a Lina e os ratos (de verdade), que poderia se chamar “Quando a fome encontra a vontade de comer”.

Viemos pouco a pouco a descobrir que os ratos, camundongos e afins são bastante queridos por aqui, sendo o tema de um tradicional hit infantil chamado “Une Souris Verte” (um camundongo verde). Tão conhecida quanto “Atirei o Pau no Gato” (e igualmente impiedosa com os animais), a música é cantada pela Lina de frente para trás e de trás para frente:

Une Souris Verte
interpretação: Lina

Une souris verte
Qui courait dans l'herbe
Je l'attrape par la queue
Je la montre à ces messieurs

Ces messieurs me disent

Trempez là dans l'huile
Trempez là dans l'eau
Ça fera un escargot
Tout chaud

Je la mets dans un tiroir

Elle me dit qu'il fait trop froid
Je la met dans mon chapeau
Elle me dit qu'il fait trop chaud
Je la mets dans ma culotte
Elle me fait trois petites crottes

Na pequena biblioteca da sala de aula da Lina também nota-se a predileção: uma boa metade dos livros tem la souris como personagem principal, sempre bonzinho e bonitinho. Nesse contexto, não dava para esperar que a Lina esquecesse a idéia do rato de verdade.

Enquanto o amor era platônico, dava para levar numa boa. Mas nem sempre estamos preparados para as armadilhas da vida... Passando casualmente em frente a um grande pet shop, achei ingenuamente que era uma boa idéia entrar com a Lina para ver os filhotes de cachorro e ... zut: caí na ratoeira! Quem poderia imaginar que, além de cachorros, gatos, peixes e passarinhos, teria ali um respeitável setor de roedores, com coelhos, hamsters, porquinhos da índia e – incrível – camundongos e ratos! Sim, dentro das vitrines, à venda. E lá estava eu boquiaberta, sem saber o que dizer para a Lina, em pleno delírio, implorando para que eu finalmente realizasse seu antigo sonho de ter um rato de verdade.

Mal imaginava ela quão radical aquela idéia era para mim. Eu que já matei nem sei quantos pés de manjericão, que pediam apenas luz e água, nunca me interessei em correr tal risco com animais domésticos. E, como a maioria das pessoas que conheço, quando pensava na cena de um rato dentro de casa, o assassinato era premeditado, uma cruel perseguição à vassouradas. Criar um rato de estimação em casa, em Paris, era, no mínino, o cúmulo do inesperado.

Foi então que veio aquela coisa de mãe que apita lá dentro e diz que a situação pede revisão de princípios. Aquele desejo da Lina não era um impulso consumista, era claro que ter um rato tinha um significado forte para ela. Tanto que, desde aquele fatídico encontro, ela passou a perguntar diariamente: “é hoje que a gente vai na loja comprar o rato de verdade?” E como o Clóvis apoiou a idéia e até se propôs a assumir integralmente a missão, fiquei mais encurralada que o tal rato perseguido. Depois de alguns dias, acabei cedendo: tá bom, vai, pode comprar...

E será que tinha que ser aquele rato de cauda lisa e nojenta, não dava pra ser um hamster, com aquele rabinho de pompom? Não, Lina queria mesmo um rato com cauda nojenta e tudo. E tanto os livros quanto os vendedores eram unânimes em afirmar que a melhor opção era mesmo o rato, le rat, segundo os experts um animal ultra inteligente, companheiro e facilmente domesticável. Praticamente um cachorro, só falta latir...

Mas tudo tem limite nessa vida e acabamos optando por uma solução de compromisso: um camundongo, la souris, tão cantada em verso e prosa. O bichinho custou apenas 6 Euros, bem mais barato que o resto da parafernalha, que incluía uma gaiola com playground completo e um livro sobre a criação doméstica de souris.

E para quem não estava acreditando, taí o livro:
Camundongo - conhecer, alimentar, cuidar


E lá chegou de surpresa o bichinho em casa, 5 minutos depois de a Lina acordar de uma soneca repetindo o bordão “quero um rato de verdade”. Quando ela viu a sacola que o Clóvis tinha na mão, não demorou nem um segundo para adivinhar o que era.

O primeiro encontro foi um tanto caótico: Lina super excitada tentando agarrar o ratinho, batizado por ela de Rotô, e este, por sua vez, totalmente amedrontado, soltando os anunciados trois petites crottes por todo lado. Passado alguns dias, continuamos não vendo muita graça no bichinho, mas para a Lina é um sucesso. Eles estão começando a se entender bem. Ela está super ágil em segura-lo e passá-lo de uma mão à outra e ele já não fica mais tão desesperado com as acrobacias forçadas. Dizem que, se bem cuidados, esses ratinhos ficam muito apegados aos seus donos. A recíproca já é verdadeira: Rotô é o quase o filho que a Lina tanto queria ter.

Missão cumprida, desejo realizado e ainda um posfácio igualmente inesperado para esta novela. Por causa da canção da souris verte, Lina fez questão de pedir num restaurante nada mais nada menos que escargot! Só nos restou, mais uma vez, respirar fundo e experimentar, pourquoi pas? No fim, nada de mais, o gosto é o do molho de azeite e ervas. Como o rato, esquecendo tudo o que você sempre pensou sobre o assunto, não é tão nojento assim. Agora, é o caso de se perguntar: onde é que vamos parar?